Novos: nova cerca?

Este texto foi publicado originalmente no RVJ. Algumas conversas que tive a respeito dele me impelem a fazer alguns esclarecimentos prévios:

  1. Sim, foram os textos do Helder que me levaram, de forma mais imediata, a escrever o meu. Isto, no entanto, não implica em que haja qualquer crítica a ele (pelo seu texto) ou aos novos e neocalvinistas. Na verdade, é característica deste grupo o envolvimento com a cultura, o que deveria levar a não construir cercas. Assim, quanto a nós (pois me incluo, de alguma forma, nos “novos reformados”), tudo serve como alerta, e só como alerta.
  2. Não, eu não tinha em mente dois amados com quem tive uma discussão recente sobre cercas (embora não tenhamos dado este nome). O pós escrito tem muito a ver com o que dissemos, mais especificamente à minha posição: aquele que se isolou isolado está. E o texto todo vai pela linha deles: não segregar. Mas esta é uma preocupação antiga minha e todo o fato apenas me instigou a falar mais um pouco a respeito.
  3. Há, infelizmente, cercas que já estão construídas. E é principalmente sobre elas que o texto trata. Notadamente por um grupo de teonomistas e outro, ou o mesmo, de neopuritanos. Volto a dizer, para o bem da verdade, que há teonomistas e teonomistas, e deve haver neopuritanos e neopuritanos. Mas aos que fazem parte do grupo construtor de cercas, ainda é tempo de derrubá-las. Depende deles.
  4. A propósito destes grupos, cabe uma reflexão aos moderadores de um conhecido local: de onde vocês pensam que surgem estes adolescentes bocudos? É fato que não podemos controlar a maturidade de quem nos lê. Mas ao menos podemos advertir. E, quem sabe, direcionar. Seu trabalho tem grande potencial pastoral, para o bem ou para o mal. E do que realmente precisamos, qualquer que seja a linha de quem pensa, é de cristãos maduros.

Isto dito, segue o texto...

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Foi com sentimentos contraditórios que vi a repercussão dos dois últimos textos do Helder no 5C, Novo Calvinismo: uma onda que (ainda) não pegou e Novos reformados: servos da nossa geração. Alegria por poder perceber um grupo “novo” maior do que a expectativa recebendo, até com certa euforia, a proposta que foi feita. Mas uma profunda tristeza por perceber um outro grupo maior e muito mais forte e atuante. Longe de arrefecer o entusiasmo de alguns, o que direi a seguir nos serve como um alerta: agregar e não repetir.

Inicio por dizer que não faço caso dos prefixos “neo” e “novo”. Na verdade, preferia que não fossem usados. Seria bom se nos definíssemos simplesmente por “calvinistas” ou “reformados”. Melhor ainda se por “cristãos”. Pois como disse o Guilherme alhures:

Quanto mais calvinistas do tipo que Calvino era nos tornamos, menos nos sentimos calvinistas e mais nos sentimos cristãos, simplesmente. E isso torna nossa mensagem muito mais potente e consistente aos olhos do mundo e dos cristãos não-reformados.

Não é que os rótulos sejam maus em si mesmos. Enquanto remetem a certas diferenças de ênfase tornam-se até úteis. Chamar a si mesmo de neocalvinista para afirmar sua identificação com aquele pensamento de linha kuyperiana é algo perfeitamente compreensível. E diria necessário até, quando queremos determinar o que pensamos. Assim é que me chamo com frequência “reformado”, “calvinista”, “agostiniano”, “medieval”... E assim com muitos outros rótulos.

Porém os rótulos sempre trazem consigo um enorme risco. Principalmente quando este rótulo vem precedido de um “neo”... Principal, mas não unicamente. E o risco que se corre é aquele da cerca. Uma cerca que é mais que uma simples determinação de pensamento, mas um virtual arame farpado de segregação. De isolamento, de exclusivismo. E exclusivismo sempre foi um forte indício das heresias.

É interessante algo que experimentei em minha jornada cristã. E devo dizer: minha jornada intelectual cristã. O primeiro livro à parte da Palavra que li foi a Teologia Sistemática do reformado Berkhof. Leitura pesada para um neófito, não? Foi-me, porém, bastante produtivo e, ainda que eu não acompanhe o teólogo por completo, ele me deu boa base para o que eu viria a pensar. Boa literatura reformada!

Mas se escandalizará meu irmão reformado se eu disser que ainda neófito li muito do arminiano Tozer e o que dele li moldou mais e melhor meu caráter e pensamento que Berkhof? Meu irmão calvinista me anatemizará se eu disser que talvez nada tenha feito mais por mim que a fantasia e o arrazoado do anglicano (bastante liberal) Lewis? Estou certo que aquele meu irmão que é de fato irmão me responderá negativamente a estas perguntas.

Porém, há quem diga “sim”. E, ainda que outros venham a me dizer “não”, uns e outros constroem cercas ao seu redor arrogando para si a árdua, porém, parece-me, prazerosa tarefa de purificar a igreja de formas e padrões. Ora, nada contra toda purificação, mas é absolutamente temerária a purificação a partir de um “neo”. E não adianta chamar para si qualquer herança, pois, mesmo que se possa provar tal direito, ele não prova a verdade do “neopadrão” purificador.

Não desejo estabelecer razões para tal ânsia purificadora. Mas temo não errar quando penso ser, em muitos casos, uma necessidade de autoafirmação, como se os novos inquisidores fossem adolescentes querendo se impor. Em outros casos, parece-me, certa convicção se impõe no inquisidor ao ponto de ele não perceber mais o que é prioridade e o que não é, além de o tal universalizar um particular. Quer estas sejam as razões ou não, Deus nos livre de novos inquisidores!

E por falar em convicções, para exemplificar o que tento dizer, tenho um histórico em igrejas arminianas. Não posso falar de todas, obviamente, mas me havia então acostumado a um culto de liturgia bastante frouxa. Hoje, distante daquelas igrejas (muito sérias, por sinal), compartilho com certo grupo de inquisidores o desejo por uma liturgia reverente. A reverência das igrejas reformadas tradicionais é algo que vejo como absolutamente necessário.

Mas, ora, um culto reverente não implica em apenas Salmos. Nem há estilos musicais demoníacos a serem evitados. Talvez uma comunidade local (esqueçamos aqui os sistemas de governo) possa escolher por cantar apenas Salmos ao som unicamente de um órgão. Nada haverá de ruim nisso. Mas o simples sugerir que este é o padrão bíblico único é absolutamente descabido. Para além disso, nossa vida não carece de liturgia, mas deve ser um culto constante. Não viverei a cultuar por Salmos e órgão somente.

A propósito, se menciono a “vida integral” (bastante “neo”), devo mencionar o envolvimento com a cultura (“neo” e “novo”). Pois muitos parecem temer a cultura hodierna. Temer como se o “envolvimento” significasse “mundanização”. Porém, o se fechar em gueto e o vocabulário que se usa não fazem mais que desfavor ao Reino. Não falamos em mundanização, mas em (re)cristianização da cultura. Ao invés de adolescentes gritando para se impor, precisamos de cristãos maduros. Deus nos permita sermos e os forjarmos!

Eu sei, isto tudo parecerá por demais caricato e usar de mais exemplos não reduzirá a caricatura. Porém, muito provavelmente, sejamos mesmo todos muito caricatos. Como quando dizemos “irmão” e “herege” ou qualquer adjetivo semelhante numa mesma sentença e a respeito de uma mesma pessoa. Pois o fato que se impõe é que há cercas sendo construídas...

Há um grande cercado que o Senhor chamou de Seu aprisco. É bom para nós mesmos que cuidemos para que as cercas que construímos não nos isolem do cercado em que convém ficarmos!

SOLI DEO GLORIA!

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PS: Convém dizer que aqueles que constroem as cercas a si mesmo se isolam. Aquele que não quer comunhão não está em comunhão. Por isso, o que não se coloca como irmão não o é. Ao menos no sentido de que, se não temos comunhão, não podemos ser irmãos. E assim estes serão tratados.

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